sábado, 18 de agosto de 2012

O mito da criação - um post quase sério

"Nas tradições religiosas, a metáfora remete a algo transcendente, que não é literalmente coisa alguma. Aceitar a metáfora como auto-referente equivale a ir ao restaurante, pedir o cardápio e, deparando ali com a palavra "bife", começar a comer o cardápio".
Joseph Campbell, O poder do Mito



Gente que compartilha isso a sério: comendo o cardápio

Começa aqui um post longuíssimo e nem sempre cômico sobre o mito judaico-cristão da criação. Indicado a quem curte a bíblia como mais do que saco de pancada. Logo mais voltamos à nossa programação normal.

Se você não conhece o mito da criação, você deve ter sido criado entre lobos, macacos ou japoneses (esse ano eu tive a experiência completamente mundo da lua onde tudo pode acontecer de explicar para um japonês quem foi Jesus, o Cristo. Barato surreal).  Caso seu nome seja Mogli o menino lobo, eu recomendo fortemente que procure a bíblia mais próxima e leia Gênesis 1, 2 e 3. Garanto que é lindíssimo.

Gente, eu amo o mito da criação de um amor verdadeiro. Todos os mitos de origem de todas as culturas são lindíssimos. Não tô minimamente afim de vir aqui apontar os óbvios erros de lógica que ele tem. Ok, Deus leva 6 dias pra criar esse planeta, o luzeiro maior (sol) e o menor (lua), e em um desses dias ele cria todas as estrelas, que são outros sóis com outros planetas e luas. Existem mais estrelas no universo do que areia na terra, do que palavras já ditas por todos os humanos que já viveram etc etc. Talvez seja por isso que o universo está em constante expansão: se Deus levasse 6 dias para cada estrela, ele nunca terminaria o trabalho. Mas foda-se. Não tô afim de comer o cardápio hoje: eu quero lidar com o mito.

Embora comer o cardápio seja realmente engraçado



Para um relato bom e  marromena engraçado dessa parte da bíblia, veja video a seguir:



Eu fui uma adolescente católica e atuante dos 12 aos 16 anos. Minha vida social estava organizada em torno da Igreja e lá conheci meus melhores amigos. Fiz catequese e só não crismei porque abandonei o grupo duas semanas antes da cerimônia, pois não queria confirmar uma fé que não era minha. Eu descobri a palavra PARÁBOLA na igreja. Parábola é aquele troço que Jesus usa pra contar sobre Deus e o mistério das coisas para simples pescadores num mundo anterior a Isaac Newton, Darwin e Einstein. Não que eu acredite em Jesus. Não que eu não acredite em Jesus. Mas vocês queriam o quê?



Em verdade, em verdade vos digo: E = mc2

Meu professor de catequese nos ensinou que o mito da criação é uma metáfora e que 7 é o número que simboliza o infinito. Isso para mim estava dado, era óbvio e todos sabiam. Lembro-me da primeira vez que ouvi alguém questionar a evolução usando como argumento a bíblia.



Eu escrevi realidade na mão e dei um tapa nas fuça dela

Pensei que essa menina fosse um caso isolado. Nunca que as pessoas seriam assim tão too dumb to live, certo?



Eu trabalhei em um colégio LAICO que ensinava Criacionismo para os alunos da quarta série. Afinal de contas, ambos são apenas teorias SÓ QUE NÃO: antigamente os cientistas utilizavam a palavra LEI para descrever suas descobertas. Com o tempo, perceberam que decobertas isoladas poderiam ser parte de sistemas maiores; por isso eles humildemente passaram a chamar tudo de TEORIA, por mais provas que tivessem: e acredite, não há dúvidas quanto à evolução das espécies.


 Então meus queridos, desculpem, mas devo dizer que:


Com a palavra, Mr. Bill Hicks:


Jesus and the disciples walked to Nazareth, but the trail was blocked by a giant brontosaurus


5 CURIOSIDADES sobre o mito da criação para você
contar na mesa do bar

01. O mito da criação que está hoje na bíblia não era o único mito entre os hebreus antigos. No mito que conhecemos, Deus cria a partir da palavra: ele diz "faça-se a luz", e a luz ganha existência, ou seja: Deus é um linguista, um poeta. Em outro mito de criação da época, Deus lutava contra as criaturas das águas e ganhava, e por isso se tornava o todo-poderoso. Nessa versão, Deus está mais para Arnold Schwarzenegger do que para Carlos Drummond de Andrade. A versão hollywoodiana dessa história seria muito mais legal do que os filmes de Jesus Cristo Branco que passam na Páscoa. Por que a versão broxa do mito ganhou, nunca saberemos.



Sou devota de Jesus Cristo exterminador do futuro

Podemos ver reminiscências desse outro mito em Salmos 74:

"Tu porém, ó Deus, és meu rei desde a origem,
quem opera libertações pela terra;
Tu dividiste o mar com o teu poder,
quebrastes as cabeças dos monstros das águas;"

Ou em Salmos 89:

"És tu que domina o orgulho do mar,
quando suas ondas se elevam, tu as amansas;
esmagaste Raab como um cadáver,
dispersaste teus inimigos com teu braço poderoso;"

(Raab é o nome do monstro mítico que personifica o caos marinho)



Ver também: Isaías 51: 9-10

02. A história da criação que está na bíblia, na real, são também DUAS histórias distintas: a história da criação em 6 dias e o sétimo dia de descanso, e a história da criação de Adão e Eva. A segunda história é muito mais antiga, tendo-se originado no século VIII A.C, sendo que a do texto 1 é do século IV A.C. A segunda história provêm dos antigos sumerianos. Deus teria criado um jardim e precisava de um jardineiro, portanto criou o homem. O jardineiro ficou entediado e Deus criou a mulher para alegrá-lo.


E as arvres somos nozes


No Gênesis, aparece a criação do ser humano DUAS vezes:

Gênesis 1: 27 - "Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, homem e mulher ele os criou".

Gênesis 2: 7 - "Então Iahweh Deus modelou o homem com a argila do solo, insuflou em suas narinas um hálito de vida e o homem se tornou um ser vivente".

Gênesis 2: 18: "Não é bom que o homem esteja só. Vou fazer uma auxiliar que o corresponda".

Só dai Deus modela as aves do céu e animais da terra, depois da criação do homem. Em Gênesis 1 é o contrário: os animais vem antes do homem. São claramente dois mitos distintos de criação costurados juntos, é só ler.

Como o homem não encontra par entre os animais, Deus o faz adormecer e cria a mulher a partir de sua costela, sendo que em Gênesis 1 Deus cria o homem e a mulher ao mesmo tempo, é só voltar na primeira citação pro tira-teima.



Deus não passaria na Fuvest por falta de coesão e coerência

03. Alegrem-se, vegans! O paraíso é mais vegano do que você! Tão vegano, mas tão vegano, que nem os leões comiam carne. Deus cria o homem e os animais e os ordena a comer as ervas e frutos que dão sobre a terra APENAS. Deus só permite que os homens comam animais depois do dilúvio - "mas não comerei a carne com sua alma, isto é, o sangue" (Gen 9:4), por isso os judeus que seguem as regras de dieta impostas na bíblia (kasher) não comem carne com sangue.




Vida eterna ou picanha? PICANHA!

04. A serpente do Jardim do Éden foi vista pela leitura sacerdotal como representação do diabo, mas isso simplesmente não existe no texto original. Nele, ela é apenas o animal mais astuto do jardim. Em outras mitologias, a serpente é sempre símbolo da vida, assim como a mulher. Apenas na judaico-cristã elas são associadas ao pecado.

Outra coisa: NÃO TEM MAÇA NENHUMA NA HISTÓRIA. Deus fala tão somente de um FRUTO. Até onde sabemos, poderia ser qualquer um.



Chupa essa manga, Eva


05. A maioria das religiões apresenta o homem em harmonia com a natureza. Deus ou os Deuses (ou ambos, já que os Deuses podem ser apenas manifestações distintas do Deus criador) estão em tudo: nas águas, nas montanhas, no sol, na lua, na rua na chuva na fazenda e dentro de cada um de nós. Tudo é uma manifestação de Deus, até mesmo sua asma, sua insônia e sua chefe chata.


 T U D O

Dizer "eu sou Deus" não é blasfêmia nessas  religiões, pelo contrário. Isso não se dá na mitologia judaico-cristã, que nos conta sobre A QUEDA, ou seja: o homem, expulso do jardim do Éden, vive em exílio e eterna luta com a natureza hostil e com Deus, e isso é uma merda. Pra mim, as religiões da natureza fazem muito, mas muito mais sentido.


Não que eu acredite nelas
Não que eu não acredite nelas

Existem vários detalhes deliciosos na história da criação, como o fato de existirem duas árvores fora do alcance dos homens, e não só uma. Existem umas falas enigmáticas de Deus que são muito legais de discutir com os amigos.

Pelo menos a parte A do Gênesis (1-11) é uma leitura obrigatória para qualquer um que viva no mundo judaico-cristão. É um texto muito fundador desse mundo. Vale perder uma meia horinha, gente. Recomendo fortemente.


2 comentários:

  1. Não tenho certeza, mas acho que a confusão da maçã com o fruto do conhecimento surgiu porque a maçã era usada para representar o tal fruto em peças populares da Europa medieval.

    Vinicius

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  2. E a manga é um fruto tailandês, e sabemos que não foi Deus que fez a Tailândia.

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