segunda-feira, 22 de outubro de 2012

RESUMO DO ÊXODO: parte 4 - Saída do Egito - O mar vermelho: uma apologia de Deus

"A religião é o suspiro da criança acabrunhada, o coração de um mundo sem coração, assim como também o espírito de uma época sem espírito. Ela é o ópio do povo"

- Karl Marx

Olha, gente, eu entendo sobre poucas coisas nessa vida, e Marx não é uma delas. Mas uma coisa que eu sei empiricamente é que a vida é um lugarzinho de merda. Isso aqui é uma terra sem lei nem piedade, cruel e dolorosa até o talo. O mundo não foi feito para você dar certo. Ele não está aqui pra te acalentar numa noite fria. Ele não te deve nada, a única certeza que temos é a morte e estamos todos presos a corpos e mentes cuja lógica é a ladeira abaixo.


 E eu tô fazendo cosplay de House nesse Halloween

Sendo assim, se em 1843 a religião era o ópio do povo, hoje ela seria a maconhinha, a cervejinha, e como bem disse o poeta: todo mundo tem a sua cachaça. Tente me tirar minha santa heineken do fim de semana e me veja virar Michael Douglas em "Um dia de Fúria" de 0 a 10 segundos:


EU QUERO HEINEKEEEEEEEEEEN



O que estou tentando dizer de modo bem pouco articulado é que muito me emociona esse trecho da bíblia, o do mar vermelho. Nele, os israelitas saem do Egito, são perseguidos, atravessam o mar vermelho e encontram a liberdade enquanto os egípcios morrem, engolidos pelas ondas. Tá bom que depois eles se fodem 40 anos no deserto, mas ainda assim: como não se emocionar com a vitória do fraco, com o fim da opressão e o triunfo do povo fudido?


De vergonha eu não morri, tô firmão, eis-me aqui
Cê não, cê não passa quando o mar vermelho abrir

(Judeu Drama, Racionais MC)

Na tradição judaica, o povo é libertado do Egito e levado à Canaã, a Terra Prometida. Essa é a história do povo escolhido por Deus, que se iniciou com o patriarca Abraão e culmina com a aliança sobre o monte Sinai, que trataremos ainda no Êxodo. Isso foi, na tradição cristã, visto alegoricamente: o povo escolhido representaria a humanidade e a Terra Prometida, o Reino de Deus. A travessia do mar vermelho é vista como o caminho para a salvação, especialmente através do batismo. É curioso que a primeira páscoa judaica se dê com a morte dos primogênitos do Egito, e a primeira páscoa cristã se dê com a morte do primogênito de Deus, mas isso já é viagem minha.

O que temos aqui, queridos leitores, é a utopia de um mundo justo. É o que gostariamos que o mundo fosse: os bons vencem os maus, o opressor paga por seus pecados e o equilíbrio do universo é restaurado. A vida tem propósito. O caos não impera. Deus é bom, olha por nós e vigia os rico, mas ama os que vem do gueto. Ou nas palavras de JC em Mateus 5: 


Essa passagem é tipo o final de 90% dos filmes da sessão da tarde e de 100% das novelas brasileiras. É tipo o equivalente bíblico disso aqui:


E quer saber? Fuck you! Eu chorei litros com "Jamaica abaixo de zero" e tenho direito de chorar com o Êxodo também! A gente precisa acreditar que é do justo o Reino do Céu (ou a justiça social, ou a medalha de ouro, ou o gol da virada) para ter forças para levantar da cama. E olha que eu sou uma porra de estudante de classe média e professora de Inglês. Sei nem o que é ter problemas de verdade.

Ok que a coisa envolve quilos de filhadaputagem: vocês lembram que Deus mandava praga, fudia geral, o Faraó decidia libertar o povo e então Deus endurecia o coração dele, certo? Pois é, Deus continua nessas. Após a décima praga Deus endurece o coração do Faraó só para matar toda uma nação afogada no mar vermelho pqq pqqqqq o que você ganha com isso Senhor!?!?11ONE

Oras, porque ele precisa mandar uma mensagem para o Egito e para o mundo: Eu sou O Senhor Todo Poderoso Criador Do Universo Do Céu E Da Terra Pica das Galáxias, meu povo são os judeus e mexeu com eles, mexeu comigo.

 
Basicamente isso, mas com menos armas de fogo e mais pragas do Egito

Meu amigo Ian Gabriel vê essa história de pragas e libertação judaica como um ótimo exemplo do Deus chutador de bundas do Antigo Testamento. Ele vê as pragas como um manual de guerrilha: você é judeu, sua tribo se fode há milênios, então escreva uma lenda para ensinar para as próximas gerações o que fazer quando uma nação mais poderosa tentar te escravizar: acabe com o suprimento de água deles, mate seus animais, acabe com as  plantações, cause infestações, queime lugares estratégicos e se nada der certo, mate os primogênitos. Cabeças vão rolar! Se você não sobreviver, pelo menos seus filhos sobreviverão.

Não dá para fechar os olhos ao alcance dessa história. Essa porra é poderosa.
Posso alienar 4 dos meus 5 leitores com isso, mas vai se fuder você! A gente discute o Êxodo de novo quando você estiver sendo caçado por um esquadrão da morte numa noite escura e tiver apenas uma treze tiros automática, só você, seu Deus e seu Orixá.

Que fique claro que eu não estou dizendo que ser ateu é babaca. Adoro os ateus, trato de igual para igual. Eu só estou dizendo que fechar os olhos para o apelo da mensagem bíblica é babaca, e tem muito ateu que equaciona religião = burrice e não, gente, não, para, muito menos. Acho isso tão cretino quanto ser Jesus Freak, na boa. Bato na tecla: bora olhar para as religiões como mito por dois segundos. Mitologia é uma fonte legítima de aprendizado e relação com o mundo. Nem tudo é explicado pela lógica. Na real, o mundo passou longe de ser um lugar lógico.

E mesmo se Deus for apenas uma ilusão, quem não precisa de uma ilusão? Aposto que você se apega a umas 10 ilusões só para sobreviver tempo o suficiente para tomar o seu café da manhã. Sei lá, acho meio cruel tirar Deus de quem já não tem nada. Odeio a intolerância religiosa, o fanatismo, a cegueira. Mas acho ter fé uma coisa meio admirável. Seja no que for. 


Karl Marx, esse true believer

Mas né, eu posso estar errada. Bora debater. É para isso que serve a caixa de comentários. Só estou tentando dizer que concordo demais com a imagem da religião como ópio do povo, mas acho mais justa aquela outra imagem ali, que ficou totalmente para escanteio: as religiões são o coração de um mundo sem coração.

Eu não devia te dizer, mas essa lua, mas esse conhaque, mas esse Êxodo, botam a gente comovido como o diabo.

PS - Essa imagem genial com a frase do tio Marx foi ideia do Emil, meu amigo genial.

4 comentários:

  1. Todo mundo tem fé em alguma coisa. Sem acreditar que existe algo pelo que se vive, nego se mata. Se não acredita em Deus, certamente acredita na pessoa que ama, nos filhos, em si mesmo, no Silas Malafaia, em qq coisa. Concordo totalmente que quem condena a fé alheia é tão babaca quanto quem quer impor sua fé sobre o outro. Cada um acredita no que quer, e as pessoas precisam aprender a respeitar isso. Simples assim. Só que essa merda de fazer a sua fé prevalecer e dominar faz parte do ser humano, nego sempre brigou e matou por isso, seja de qualquer religião, crença, ateu, o que for. Mexeu com o que nego acredita, fodeu...

    ResponderExcluir
  2. Primeiro que PALMAS por terminar com Drummond.
    Segundo, cito Kardec, que me parece um cara bem sensato, de bem com a vida, e amigo de JC. Gosto dele, veja se te apetece:
    "preconizar alguém a fé cega sobre um ponto de crença é confessar-se impotente para demonstrar que está com a razão"

    ResponderExcluir
  3. Yo, Imma let you finish, mas esse já é um dos meus posts preferidos of all ti-me.
    A menina Bi citou o Kardec e, embora o espiritismo não seja uma religião, e sim uma doutrina, a interpretação espírita do evangelho é a que me parece mais coerente, sensata e a única que responde a maioria das minha perguntas com um mínimo de razão. Mas, o que mais curto no Espiritismo Kardecista é que o fundamento das ações e ensinamentos deles é a caridade - em um mundo filha da puta como esse - e isso vai de encontro com o que tu falaste nos primeiros parágrafos -, ter um mínimo de caridade já é uma puta virtude.

    ResponderExcluir