terça-feira, 3 de setembro de 2013

Resumo do Levítico (parte 1) - Ou de como enfiei a mão numa cumbuca

E ai, galera, tudo certinho? Espero que sim.

Pois é, eu fiquei cinco meses sem atualizar o blog, tô sabendo. Eu sou assim mesmo. Constância não é uma das minhas virtudes.

Me aceitem. Me amem. É meu jeitinho ¯\_(ツ)_/¯

Mas vagabundagem não foi o único motivo que me manteve afastada do Holy Shit. Não não não. O motivo principal tem outro nome: Levítico, o livro mais casca grossa da bíblia.




Levítico está para a Bíblia Hebraica assim como Cálculo 3 está
para a regra de 3

E Deus sabe que eu sobrevivi ao colégio e ao vestibular sabendo única e exclusivamente a regra de três, ou seja, esse resumo me fará botar a tcheca pra sambar.

Mas vamos aos poucos:

Levítico é o terceiro livro da Bíblia e é tradicionalmente atribuído à Moisés, que teria escrito todos os livros da Torá (nome judaico para os cinco primeiros livros da bíblia) ou Pentateuco (nome cristão). Não que isso seja verdade, claro.

Levítico tem esse nome por ser uma compilação de leis ou instruções destinadas aos Levitas, originários da tribo de Levi, escolhidos por Deus como sacerdotes de Israel. Muitas das instruções, no entanto, também se destinam ao povo.

Parece fácil, né? A princípio eu também achei que seria. Pelo menos mais fácil do que é, ou não tão difícil. E agora essa sou eu:

   
Gorda, careca, fedida e trancada num quarto escuro

Dada a puta complexidade de Levítico, a coisa mais honesta a se fazer é iniciar meu resumo com uma reflexão pessoal que chamarei de "De como eu enfiei a mão em uma cumbuca", ou seja, a história de como eu comecei o Holy Shit.


QUEM LEMBRA

Decidi ler a bíblia por motivos muito pontuais. Sempre curti religião e tenho um passado na Igreja Católica, mas me meti nessa para poder argumentar com os Bolsonaro da vida. Embora eu seja mais do que a favor da fé, fico puta com essa galera que utiliza a bíblia para promover seus próprios interesses e justificar preconceito, intolerância, burrice, discurso de ódio, etc. No Brasil de 2013, com seus Felicianos e religiões afro-brasileiras ameaçadas, percebi que conhecer mais a bíblia se faz necessário.

No começo eu só lia pra mim mesma e contava pros amigos, tudo na base do descompromisso. Como eu tava bem ocupadinha na época, trabalhando e estudando, eu sempre acabava lendo a bíblia no banheiro (ME JULGUEM). Sendo assim, quando alguns amigos me incentivaram a começar esse blog, o nome Holy Shit veio naturalmente. Percebam: não escolhi o nome desse blog para atacar o conteúdo da bíblia. Só o escolhi porque:


E eu sei que esse é o lema de vida de vocês também

Qual a dificuldade em resumir a bíblia, afinal de contas? Não pode ser difícil, certo? É só abrir a bíblia, ler as parada, jogar umas piadas pra galera não dormir e resumir! Pra quem já fez um bando de fichamento de texto acadêmico do caralho a quatro, qual a dificuldade em resumir umas historinhas sagradas? Quantas bíblias infantis tem no mundo? Umas 300? Se os autores dessas bíblias conseguem resumir o Antigo e Novo Testamento PARA CRIANÇAS, por que eu não conseguiria?

 

Acontece que resumir a bíblia, amigos, assim como a vida, é difícil pra caralho 

O PROBLEMA

Nosso primeiro erro é achar que a bíblia é um livro. Não é. A bíblia é uma compilação.

Nosso segundo erro é achar que a bíblia é uma compilação de livros. Não é. Os livros da bíblia também são compilações, e essas compilações que os formam são muitas vezes fragmentos ainda menores, ou seja, outras compilações. 

A bíblia tem uma porrada de gêneros: poesia, contos, anedotas, lendas, cartas, contratos, máximas, bençãos, maldições, juramentos, oráculos, diálogos, discursos, pregações, orações, anais, crônicas, etc etc ad infinitum. A bíblia também tem uma infinidade de estilos, diferenças na escolha de vocabulário, repetições, contradições internas e anacronismos.

Além disso, ela foi influenciada por tudo que vinha de todos os lados naquela faixa de terra do tamanho do Sergipe chamada Canaã. E quando eu digo todos os lados, eu quero dizer todos os lados: Canaã tem uma posição geográfica estratégica, ligando todas as regiões em seu entorno.


Se todos os caminhos levam a Roma, todos os caminhos pelo menos fazem baldeação em Canaã

A bíblia, portanto, é uma grande matrioska, um grande labirinto de rato, uma porra de uma dízima periódica.

Levítico, por exemplo, atingiu sua forma final na fase posterior ao Exílio Babilônico (538 A.C), mas reflete práticas muito anteriores a esse período.

Quando foi composto, exatamente? Não sabemos ao certo. Em que medida as práticas do Levítico eram seguidas pelo povo? Não sabemos ao certo. Quais os motivos e interesses por trás de cada lei do Levítico? Não sabemos ao certo. Quantos autores? Quantos editores? Não sabemos ao certo. É muita dúvida para pouca certeza.

O que temos são hipóteses. A hipótese mais aceita na análise do Pentateuco é a chamada "Hipótese Documentária", que eu vou tentar (tentar) dar uma explicada de leve.

HIPÓTESE DOCUMENTÁRIA - AS QUATRO FONTES

A hipótese documentária é uma tentativa de determinar quais os pedaços principais que constituem o Pentateuco, que teria sido composto ao longo de 5 (cinco) séculos. Lembrem-se que A HISTÓRIA DO BRASIL tem cinco séculos. Agora imagina o nego drama.

Essa teoria teve início quando um fulano muito mais esperto do que eu percebeu que em algumas histórias do Gênesis Deus é chamado de YAHWEH, enquanto em outras ele é chamado de ELHOIM. E assim chegou-se ao que chamamos hoje de Tradição Javista (J) e Tradição Eloísta (E), cada uma com períodos e interesses distintos. Mais tarde, outros fulanos mais espertos do que eu desprenderam do texto a Tradição Deuteronomista (D) e Sacerdotal (P).

Essa hipótese tá tão fechadinha e fácil de entender que geral consegue nem determinar se são quatro, cinco ou mais fontes. Tem corno que analisa a bíblia e discrimina as fontes frase por frase ou até mesmo palavra por palavra. Mas no geral os estudiosos botam mais fé nessas quatro que vou explicar aqui, embora tudo isso deva ser lido como um grande SE PÁ.

J - Tradição Javista

Essa fonte começa com a segunda história do Gênesis (vocês lembram que existem dois mitos de criação, né?). Segundo essa fonte, o conhecimento do nome de Deus começa com Adão, que já o chama de Javé (por isso tradição Javista).

Em J, Deus é descrito de modo bastante antropomórfico. É o Deus de J que fecha a porta da arca, dá rolê pelo jardim do Éden, bate um rango com Abraão, é truta de Moisés, é interpretado pelo Morgan Freeman no cinema, etc. O Deus de J é bastante concreto e humildão.


Pra resumir, é o Deus de J que você chamaria pro buteco

Essa fonte data supostamente do século X A.C, durante o reinado de Salomão e Davi, e reflete os interesses das tribos do Sul, ou Reino de Judá.

E - Tradição Eloísta

Começa por volta de Gênesis 15 e é a mais fragmentada. Provavelmente foi utilizada como suplemento para a fonte J, pois não costuma aparecer em pedaços extensos. Chama Deus de Elhoim em Gênesis, e afirma que o nome Javé foi revelado apenas muito mais tarde, para Moisés.

O estilo de E é mais abstrato. O Deus de E é mais remoto, bem menos antropomórfico e não curte muito encontros face a face, preferindo utilizar mensageiros, sonhos e profecias. O Deus de E tá muito mais para uma luz uma certa magia do que para o cara lá de cima.



É o Deus de E que você chamaria para tomar um ácido e ouvir um Doors

Deduz-se que essa fonte foi composta pelas tribos do Norte, ou Reino de Israel, por volta do século IX A.C, já que ela reflete os interesses desse povo durante esse período. 

D - Deuteronomista

O livro de Deuteronômio é formado por três discursos de Moisés. Segundo a narrativa, esses discursos foram realizados pouco antes dos hebreus entrarem em Canaã, depois de 40 anos batendo perna no deserto. No entanto, a Tradição Deuteronomista reflete interesses de grupos agrícolas e sedentários. É a única fonte que insiste que todos os sacrifícios sejam realizados em apenas um santuário central, ou seja, que estipula a unicidade de culto. Por isso, ela também condena culto a outros deuses - o que difere das outras fontes, que são mais do time "Javé é nosso Deus, caguei pros outros povos".

O Deus de Deuteronômio tem bastante ciúme do povo e de um modo bastante concreto, vide a metáfora do casamento entre Javé e Israel, sua esposa. Idolatria, portanto, é infidelidade, crime gravíssimo. Isso tudo tem um bando de desdobramentos que discutiremos quando chegarmos em Deuteronômio, mas saibam que:



O Deus de D é aquele que você chamaria pra dar um rolê no MADA

O documento data provavelmente do século VII A.C. e foi provavelmente composto por tribos do Norte

P - Sacerdotal (P porque vem de Priestly Source)

Encontrada em Levítico e nas partes legais (no sentido de jurídicas e não de bacanas) de Números, P se preocupa horrores com instituições religiosas, sistemas de sacrifício, rituais religiosos, regras alimentares, pureza e impureza ritual, instruções para o Sabbath e para os feriados , etc etc, um bando de coisas chatas que trataremos em Levítico. É claro que, pra fuder um pouco mais, P é coisa de adevogadão.

Curiosamente, a história em Gênesis 1 é parte dessa fonte, o que faz sentido se pensarmos que o Deus de P é ordenado, abstrato, remoto, curte alianças, recenseamentos, genealogias e é provavelmente virginiano. É essa fonte que costura as histórias, estabelecendo alguma unidade formal. Por isso, estudiosos acreditam que os sacerdotes responsáveis por P foram os editores finais do Pentateuco, já no século V A.C, no Exílio Babilônico.



É o Deus de P que você chamaria pra calcular seu imposto de renda e arrumar o seu armário

O LEVÍTICO

Discutirei em maiores detalhes os problemas do Levítico nos próximos posts, mas lembrem-se que cada lei nasceu de um contexto desconhecido e foi interpretada por milênios e milênios de modos diversos por teologias diversas. A bíblia é um novelo sem ponta embaraçado por 500 gatos ao longo de nhenhentos milênios. Por isso, não levem em consideração nada do que eu escrever aqui. Eu tô falando seríssimo. Isso aqui é uma tentativa pessoal de entender as parada mais ou menos. Uma tentativa que vai falhar.

Se tem uma coisa que aprendi até agora é que sim, as leis levíticas tem pesos diferentes. Sendo assim, terei que ir além do modelo de crítica que segui até hoje, que consistia em dizer coisas como: "Mas se vocês não seguem essa lei aqui, ó, de que não pode comer camarão, por que seguem a lei de que não pode dar o cu?". Modelo que pode ser encontrado nesse video crássico:



Ah, se a vida fosse tão fácil... 

A questão é que não posso olhar pro rabo dos outros e sentar em cima do meu. Sendo assim, não posso ler o Levítico com a intenção de justificar meus próprios interesses. Isso não é justo com a bíblia. Além do mais, a gente tem o estado laico anyway, então foda-se. A bíblia não tem que concordar comigo. Eu não tenho que concordar com a bíblia. A bíblia é o que a bíblia é.

Então é isso, amiguinhos. Lá vamos nós!




FUDEU

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PS:

Comecei o blog com uma bíblia de estudo, agora tenho três mais um livro supimpa chamado "Introdução ao Antigo Testamento" duns tios chamados E. Sellin e G. Fohrer. Também tô usando uns textos acadêmicos que eu caço nas internerds.

Mas estou me baseando bastante num curso de Yale lindíssimo sobre o Antigo Testamento que tá todo disponível no youtube. O curso é em inglês, mas pelo menos tem legendas (em inglês também, mas já é algo). Tem 24 aulas e cada uma tem em torno de 50 minutos, mas vale a pena demais. A professora é uma fudida, recomendo horrores. Só o primeiro episódio é mais interessante do que qualquer coisa que eu tenha escrito nesse blog até agora.

Tem também disponível no youtube um curso de Yale sobre o Novo Testamento, que ainda estou assistindo. O professor é bem mais mala e eu não curto umas babaquices dele e tals, mas é interessante. Vale a pena.




Antigo Testamento - Aula 1 de 24


Novo Testamento - Aula 1 de 26


6 comentários:

  1. Estou começando a perceber que ler a Bíblia é só a ponta do iceberg pra entender todo esse rolo. Existe toda uma história por trás da própria Bíblia e tem um lance que me interessa muito que é o POVÃO influenciando na história bíblica, como no caso dos supostos reis magos, do diabo anjinho de Deus e da maçã de Eva. Será que antes de morrer a gente consegue entender isso tudo?

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  2. do curso sobre o novo testamento, na primeira aula o professor solta uma ótima: se vcs querem entender o ocidente, é mais jogo entender platão do que entender a bíblia.

    pq né, a bíblia só tá lá. a bagunça são as trocentas teologias criadas em cima dela, inclusive noções como o diabo, que não está na bíblia hebraica.

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    1. Como assim sua ANTA. O diabo não está na "bíblia hebraica"?? Quer dizer a torá?

      O livro mais antigo da Bíblia e da Torá é o Livro de Jó, onde descreve claramente o diálogo entre Deus e o Diabo, e a famoso provação de Jó contra as tentativas do Diabo.

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  3. Respostas
    1. vc ainda tá lendo a bíblia, dilson?

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    2. (vixe, que demora pra responder! desculpe)
      então, eu dei uma parada... parei no começo de Josué pra variar um pouco as leituras. tou criando coragem para voltar agora.

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